Dentista
que acidentalmente entrou em contato com sangue de paciente deverá indenizá-lo
por ter, após o acidente, o constrangido em seu ambiente de trabalho a realizar
teste de HIV e Hepatite B. O cliente ainda foi acusado de pertencer a grupo de
risco. A decisão, por maioria, é da 6ª Câmara Cível do TJRS, que aumentou a
reparação por danos morais de R$ 3 mil para R$ 10 mil.
O
autor da ação recorreu ao Tribunal pedindo aumento no valor da indenização.
Alegou que o valor fixado em 1º Grau não corresponderia à extensão do dano
sofrido, bem como representaria quantia irrisória para o réu, não servindo para
inibir que este viesse a ter atitude semelhante novamente.
Narrou
que o dentista estava em seu salão de beleza para cortar os cabelos quando ele
comentou que estava com um problema dentário, sendo convidado, a comparecer no
consultório do réu no mesmo dia. Durante a consulta, o profissional se machucou
com a broca recém utilizada na boca do paciente. Sabendo da orientação sexual
diversa do autor, desesperou-se, afirmando que do nada poderia perder tudo e
retirou-se do consultório sob a justificativa de que não possuía condições de
finalizar o atendimento.
O
cabeleireiro contou que deixou o local muito abalado e voltou ao salão. Em
seguida o réu chegou e, na presença de clientes e empregados, afirmou que o
autor pertencia a grupo de risco, exigindo que este fizesse exames de HIV e
Hepatite. Caso contrário, disse, teria que começar a ingerir coquetel de
medicamentos. Segundo o cabeleireiro, o dentista continuou a pressioná-lo
constantemente nos dias seguintes, ligando diversas vezes para seu ambiente de
trabalho.
O
réu também recorreu da sentença, defendendo a improcedência da condenação.
Afirmou que, se fosse preconceituoso freqüentaria seu salão de beleza, nem o
convidaria para aliviar sua dor de dente, no mesmo dia, após as 20h. Argumentou
que não houve dolo ou intenção ofensiva e enfatizou que foi a sua saúde que
ficou exposta.
Voto
vencido
O
relator, Desembargador Artur Arnildo Ludwig, teve o voto vencido. Entendeu que,
diante da possibilidade de adquirir doença infectocontagiosa grave, a
preocupação e ansiedade do réu são justificadas. Apontou a necessidade de o
dentista obter certeza quanto à saúde do autor para que pudesse tomar as
providências cabíveis, tendo agido em verdadeiro exercício de seu direito à
vida. Concluiu que não caracterizam dano moral as situações que, embora
desagradáveis, são necessárias ao exercício regular de direito reconhecido.
Entendimento
majoritário
Na
avaliação da Desembargadora Liége Puricelli Pires, que divergiu do relator, não
há dúvidas que o réu tem o direito de buscar junto ao paciente a realização dos
exames laboratoriais. No entanto, ressaltou, houve abuso desta prerrogativa por
parte do dentista: Desconsiderando a carga pejorativa e equivocada da
expressão (segundo os médicos não se pode mais pensar em grupos de risco em
disseminações virais como as do HIV e Hepatite B), o réu desbordou dos limites
ao externar suas impressões em
relação ao demandante na frente de seus clientes, inclusive criando
constrangimentos que implicaram em perda de clientela.
Testemunhas
confirmaram o abatimento do autor, bem como a pressão feita pelo réu, que no
dia do incidente teria chegado a pegar o cabeleireiro pelo braço para levá-lo
até um laboratório. A magistrada destacou que além de acusá-lo de pertencer a
grupo de risco em razão de sua orientação sexual, passou a ligar nos dias
seguintes em seu local de trabalho até ter o resultado dos exames. Outra
conduta a desbordar dos limites de um exercício regular de direito.,
sublinhou.
Destacou
que o exagero nem mesmo é justificável, pois, segundo depoimento de consultora
de biossegurança e infectologia, a recomendação é passar a ingerir o
medicamento AZT imediatamente, a fim de evitar contágio por HIV. Quanto à
Hepatite, não há tratamento de choque.
Indenização
Analisando
a condição social da vítima e do causador do dano, a gravidade, a natureza e a
repercussão da ofensa, assim como um exame do grau de reprovabilidade da
conduta do ofensor, entendeu ser cabível o aumento para R$ 10 mil. Dessa forma,
apontou, cumpre-se ainda o caráter pedagógico da indenização por danos morais,
desestimulando atitudes semelhantes.
O
Desembargador Luiz Augusto Coelho Braga acompanhou o voto da Desembargadora
Liége.
Fonte: TJRS
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